segunda-feira, 26 de março de 2012

O SHOFAR E O SHABAT


O SHOFAR E O SHABAT

O Rosh HaShanah deste ano (2006), que dá inicio a mais um ano judaico, o de 5767, ocorre juntamente com o shabat e portanto evoca uma Antiga polêmica: Tocar ou não tocar o Shofar em shabat?

A tradição judaica rabínica menciona a proibição de se tocar o Shofar em Shabat e por isso até os dias de hoje permanece este conceito. Mas de onde vem esta tradição e baseado em quem nossos sábios definiram este veredicto?

De acordo com a Torah, observamos a seguinte premissa dada pelo próprio HaShem:

LEVÍTICO 23: 24 “Fala aos filhos de Israel, dizendo: No mês sétimo, ao primeiro do mês, tereis descanso solene, memorial, com sonidos de trombetas (Zicaron Teruah – Toque do Shofar), santa convocação [tereis].”

De acordo com o texto acima, tocar o shofar em Rosh HaShanah é uma mitzvah positiva explícita. Ainda de acordo com a Torah, vemos uma outra citação quanto ao toque do Shofar, em sua relação com o mês de Tshrei:

LEVÍTICO 25: 9 “Então, no mês sétimo (religioso - que é Tshrei) , aos dez do mês, farás passar a trombeta vibrante; no Dia da Expiação (que é Yom Kipur), fareis passar a trombeta (Shofar) por toda a vossa terra”.

Neste caso, se refere ao toque do Shofar em Yom Kipur, por ocasião do Ano Yovel (Jubileu), quando deveria-se anunciar-se sua chegada para que todos soubessem. Mas o toque do shofar não está vinculado apenas ao mês sétimo do calendário religioso. O texto a seguir nos dá uma mostra disso:

NÚMEROS 10: 9-10 “Quando, na vossa terra, sairdes a pelejar contra os opressores que vos apertam, também tocareis as trombetas a rebate, e perante o SENHOR, vosso Deus, haverá lembrança de vós, e sereis salvos de vossos inimigos. Da mesma sorte, no dia da vossa alegria, e nas vossas solenidades, e nos princípios dos vossos meses, também tocareis as vossas trombetas sobre os vossos holocaustos e sobre os vossos sacrifícios pacíficos, e vos serão por lembrança perante vosso Deus. Eu sou o SENHOR, vosso Deus”.

Portanto, o toque do shofar é um mandamento que se aplica as seguintes circunstancias:

  • A festa do Toque do Shofar (Rosh HaShanah) – principalmente.

  • A todas as demais festas e solenidades (Isto inclui o shabat)

  • Ao Rosh Chodesh (Primeiro dia do mês) – A Lua Nova

  • Por ocasião de uma guerra (Como forma de buscar o auxílio de D-us)

Então fica a pergunta: Será que nossos rabinos simplesmente negligenciaram todas estas citações bíblicas e, deliberadamente, instituíram uma mitzivah proibindo o toque do shofar em shabat, simplesmente por que entenderam isto como uma transgressão?

Temos aprendido com a Torah, que o próprio D-us deu aos secerdotes e juizes a autoridade para formularem leis, quando necessário, caso o povo e seus mestres tivessem dificuldade em desvendar alguma controvérsia.

DEUTERONÔMIO 17:8-11 Quando alguma coisa te for difícil demais em juízo, entre caso e caso de homicídio, e de demanda e demanda, e de violência e violência, e outras questões de litígio, então, te levantarás e subirás ao lugar que o SENHOR, teu Deus, escolher. 9  Virás aos levitas sacerdotes e ao juiz que houver naqueles dias; inquirirás, e te anunciarão a sentença do juízo. 10  E farás segundo o mandado da palavra que te anunciarem do lugar que o SENHOR escolher; e terás cuidado de fazer consoante tudo o que te ensinarem. Segundo o mandado da lei que te ensinarem e de acordo com o juízo que te disserem, farás; da sentença que te anunciarem não te desviarás, nem para a direita nem para a esquerda.
Isto significa que se em algum momento o Toque do Shofar no shabat, tenha sido questionado por alguns, e isto tenha sido levado ao tribunal maior para estas questões (O Sanhedrin – Sinédrio), a posição do sinédrio, em tese, deveria ser acatada.
Diante disto, permanecem duas perguntas: 

1 – Esta lei foi promulgada antes ou depois da destruição do Segundo Templo, quando o sinédrio ainda existia, ou por rabinos posteriores, quando já não existia um tribunal devidamente estabelecido para casos como este?
De acordo com a Mishnah, no Talmud, na ordem Moed, tratado “Rosh HaShanah” capítulo 4:1, obsrevamos a seguinte citação:
ד,א  יום טוב של ראש השנה שחל להיות בשבת, במקדש היו תוקעין; אבל לא במדינה.  משחרב בית המקדש, התקין רבן יוחנן בן זכאי, שיהו תוקעין בכל מקום שיש בו בית דין.  אמר רבי אליעזר, כשהתקין רבן יוחנן בן זכאי שיהו תוקעין, לא התקין אלא ביבנה; אמרו לו, אחד יבנה ואחד כל מקום שיש בו בית דין.
Em Yom Tov de ROSH HASHANAH , durante os dias comuns, sendo que no shabat era tocado [o Shofar] no Templo, mas não na Medinah (Estado de Israel).

Rashi (Rabi Shlomo ben Yitzchak) interpreta que, portanto, o shofar, por ocasião shabat, só devesse ser tocado no templo e não fora dele. Isto para evitar  os israelitas portassem o shofar e o carregassem em domínio público no shabat, ato considerado proibido pela Halachah. Já Rambam (Rabi Mosheh Bem Maimon), interpreta que a expressão Templo (Mikdash), neste caso se aplica a toda a cidade de Yerushalaim. Nos dois casos porém, todas as autoridades concordam que a restrição era baseada na preocupação de que os judeus não transportassem o Shofar em público, no dia de shabat. Mas e se o shofar já se encontrasse no recinto onde ele seria tocado e não precisasse portanto ser transportado? A regra ainda valeria. Segundo algumas fontes, os rabinos decidiram emitir esta regra em função da ignorância do povo em conhecer as regras da observância do Shabat.    
Existem alguns que afirmam, porém, que a emissão de som por si só já consiste em uma violação ao shabat. Esta regra porém foi constituída recentemente e em nada está baseada na Torah. Até por que os levitas músicos instituídos por David HaMelech no Mishkan não só cantavam, como também tocavam toda sorte de instrumento no shabat, e o Shofar, de forma solene, em cumprimento a mitzivah citada em BaMidbar Cap. 10.  As leis relativas a emissão de som no shabat foram promulgadas, segundo algumas fontes, no séc. XVIII desta era, e até o século XVII, as sinagogas eram munidas de instrumentos musicais como pianos, violinos e instrumentos de sopro, juntamente com percussões. Por isso, vale dizer, a proibição de se tocar Shofar em shabat, citada no talmud, em nenhum momento se baseia na sua emissão de som e sim em seu transporte. Até por que a emissão de som, sequer está inclusa entre as 39 melachot (Trabalhos proibidos no Shabat).
Mas ainda que o Talmud se baseasse na emissão de som ou em qualquer outra razão, diga-se de passagem, tal conclusão foi formulada muito tempo após a destruição do segundo Templo, quando já o sinédrio não existia mais e havia sido substituído pelas academias rabínicas de Jerusalém e da Bailônia.

2 – Se uma determinação rabínica ou sacerdotal, põe em questionamento uma resolução expressa na Torah, ainda que por motivos aparentemente bem intencionados, esta determinação deve ser tida como uma Lei de D-us, como aquela citada em Devarim 17?

O fato de tais academias formularem leis ou aplicações das leis, não vem a ser um problema, uma vez que entendemos que a autoridade religiosa judaica continuou a ter o aval de HaShem como testemunha da Torah e retentora de seus oráculos. No entanto, isto não significa que uma determinada concepção não possa ser questionada, uma vez que ela se oponha, ao que parece a um mandamento da Torah ou a seu sentido espiritual elementar. Temos como exemplo disso uma citação do Próprio Mashiach se referindo a uma situação semelhante:

MATEUS 15: 1 - 9 Então, vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus e escribas e perguntaram: 2 Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos, quando comem. 3  Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? 4  Porque Deus ordenou: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe seja punido de morte. 5  Mas vós dizeis: Se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: É oferta ao Senhor aquilo que poderias aproveitar de mim; 6  esse jamais honrará a seu pai ou a sua mãe. E, assim, invalidastes a palavra de Deus, por causa da vossa tradição. 7  Hipócritas! Bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: 8  Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 9  E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.

Neste caso, as autoridades sacerdotais judaicas haviam formulado um resolução esperando, por meio dela arrecadar mais fundos para a instituição templária. Por isso definiram que se ao invés de sustentar os pais na velhice como ordena a Torah, o isto fosse transformado em donativo ao templo, doado postumamente, o filhos ficaria isento de sua obrigação para com seus pais. Isto, de acordo com a interpretação de Yeshua, feria o espírito da letra e ia contra o objetivo fundamental da mitzivah: o de honrar pai e mãe.
Através deste exemplo, podemos ver que mesmo resoluções que tenham sido formuladas pelo sinédrio podem ser reavaliadas, uma vez que se entenda que as mesmas distorcem o objetivo primário do mandamento.

O Tanach cita um evento ocorrido do livro de Yehoshua, que deve ser visto de modo interessante:

2  Então, disse o SENHOR a Josué: Olha, entreguei na tua mão Jericó, o seu rei e os seus valentes. 3  Vós, pois, todos os homens de guerra, rodeareis a cidade, cercando-a uma vez; assim fareis por seis dias. 4 Sete sacerdotes levarão sete trombetas de chifre de carneiro adiante da arca; no sétimo dia, rodeareis a cidade sete vezes, e os sacerdotes tocarão as trombetas. 5  E será que, tocando-se longamente a trombeta de chifre de carneiro, ouvindo vós o sonido dela, todo o povo gritará com grande grita; o muro da cidade cairá abaixo, e o povo subirá nele, cada qual em frente de si. 6 Então, Josué, filho de Num, chamou os sacerdotes e disse-lhes: Levai a arca da Aliança; e sete sacerdotes levem sete trombetas de chifre de carneiro adiante da arca do SENHOR. 7  E disse ao povo: Passai e rodeai a cidade; e quem estiver armado passe adiante da arca do SENHOR. 8  Assim foi que, como Josué dissera ao povo, os sete sacerdotes, com as sete trombetas de chifre de carneiro diante do SENHOR, passaram e tocaram as trombetas; e a arca da Aliança do SENHOR os seguia. 9  Os homens armados iam adiante dos sacerdotes que tocavam as trombetas; a retaguarda seguia após a arca, e as trombetas soavam continuamente. 10  Porém ao povo ordenara Josué, dizendo: Não gritareis, nem fareis ouvir a vossa voz, nem sairá palavra alguma da vossa boca, até ao dia em que eu vos diga: gritai! Então, gritareis. 11  Assim, a arca do SENHOR rodeou a cidade, contornando-a uma vez. Entraram no arraial e ali pernoitaram. 12 Levantando-se Josué de madrugada, os sacerdotes levaram, de novo, a arca do SENHOR. 13  Os sete sacerdotes que levavam as sete trombetas de chifre de carneiro diante da arca do SENHOR iam tocando continuamente; os homens armados iam adiante deles, e a retaguarda seguia após a arca do SENHOR, enquanto as trombetas soavam continuamente.

Ao que tudo indica, os sete shofarim dos sacerdotes de Yehoshua soaram durante todos os sete dias em que se rodeou as muralhas. Mas isto significaria dizer que com certeza o Shofar foi tocado em uma shabat, já que ao logo de sete dias, pelo menos um shabat tiveram de passar. Isto significa dizer que não é possível contrapor uma interpretação da lei, a uma lei expressa diretamente. Se o mandade do D-us a Yehoshua teve de ser cumprido ainda que no Shabat, tal ordem, como a de tocar o Shofar em Rosh HaShanah e em outras ocasiões, deve ser cumprida também.
Mas existem aqueles que afirmariam: D-us deu este lei a Yehoshua, por que ainda os sábios não haviam dado tal resolução. Neste sentido, fica a cargo de cada judeu interpretar da forma que achar melhor. O importante é que se saiba exatamente de onde se oriunda cada tradição e que tal tradição não venha a anular o sentido da Torah.


Zaken Ezrah ben Levi

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